Filme “Bacurau” Retrata a Luta de uma Comunidade do Sertão
“Bacurau” é um filme que narra a história de uma pequena vila no sertão de Pernambuco que desaparece dos mapas, de forma alarmante e concreta. O local, que vive à sombra da seca e da negligência política, é palco de eventos estranhos após a chegada de estrangeiros. A conexão da vila com o mundo exterior começa a falhar: os celulares perdem sinal, os sistemas de GPS não funcionam e um drone sobrevoa as casas dos moradores. A mensagem é clara desde o início: aqueles que não são vistos correm o risco de serem eliminados sem alerta.
A trama se desenvolve ao longo da vida cotidiana dos habitantes de Bacurau antes que se inicie qualquer forma de violência. A personagem Teresa, interpretada por Bárbara Colen, retorna à vila para o funeral da avó e se torna um elo entre o público e a comunidade. Já Domingas, vivida por Sonia Braga, é uma médica que luta contra seus próprios demônios e tem uma relação intensa com a vila. Os personagens são apresentados de forma a refletir a coletividade do povo, ao invés de focar em arcos individuais típicos de histórias de cinema. Essa abordagem enfatiza a ideia de uma resistência coletiva.
Contexto de Violência e Exploração
O ataque à vila não é um incidente isolado. “Bacurau” dialoga com a história do Brasil, marcada por exploração, extermínio e desigualdade. O vilarejo é alvo de uma escolha deliberada, e o filme aborda essa violência de maneira direta, sem rodeios explicativos. A brutalidade não é um desvio moral, mas uma continuação de uma lógica colonial que permanece.
Michael, um personagem interpretado por Udo Kier, lidera um grupo de assassinos internacionais que encaram o massacre como um esporte. A presença de personagens americanos e europeus, com atuações propositalmente exageradas, destaca a diferença entre os invasores e os moradores de Bacurau. A matança é motivada não por ódio, mas pelo prazer de dominar.
O drone, que se assemelha a um disco voador, desempenha um papel crucial. Ele não só observa, mas também anuncia a violência que está por vir. Em vez de demonstrar um fascínio pela tecnologia, sua presença reafirma uma antiga hierarquia: quem está acima se considera com autoridade sobre quem está embaixo. O desaparecimento digital da vila serve para evidenciar o apagamento sistemático das comunidades marginalizadas.
A Aparição de Lunga
Quando Lunga, interpretado por Silvero Pereira, aparece no filme, a tensão aumenta. Ele é uma figura complexa e enigmática, que traduz a violência acumulada e a resposta direta a uma ameaça mortal. Sua presença não busca glorificar a brutalidade, mas sim apresentar uma reação a uma situação extrema.
À medida que as agressões se intensificam, o ritmo do filme se torna mais rápido e intenso. O clímax é marcado por um confronto direto e cru. A violência é apresentada de forma gráfica e desconfortável, sem qualquer glamour. O espectador não é chamado a celebrar a ação, mas a entender os mecanismos que levaram à situação de conflito. O derramamento de sangue interrompe a invasão, mas não traz redenção.
Referências e Identidade
“Bacurau” traz referências a faroestes, filmes de cerco e ao horror político, mas não se limita a categorização. As conexões são usadas como ferramentas narrativas, não como homenagens. O filme cria uma identidade própria ao misturar gêneros com uma leitura local, profundamente conectada com a realidade do país.
O desconforto que permanece após o filme não se limita à violência, mas também ao realismo da narrativa. Bacurau sobrevive porque se vê como uma comunidade unida. Não há promessas de redenção ou ilusões de vitórias duradouras; existe uma clara recusa em se deixar silenciar. O filme busca atenção, não empatia, e esse pedido já se configura como um ato político significativo.
Ficha Técnica do Filme
- Título: Bacurau
- Diretores: Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho
- Ano de Lançamento: 2019
- Gênero: Ação/Aventura/Drama/Mistério/Suspense
- Avaliação: 10/10